sexta-feira, 27 de julho de 2012

Memória velha


"Dá-me uma memória velha, feito charrete, com toda sua lentidão. Que sejam memórias passageiras, não busco a eternidade, há de ser feliz o momentâneo, o descobrir, o gosto do desconhecido. Pois quero apreciar a sensação do ser primeiro, cada dia que acordar contemplar o sol, o mar, a sintonia do vento e das pétalas, como se estivesse descobrindo o mundo, que cada amanhecer seja único, e toda a memória durante o sono seja levada ao esquecimento."

Ayllane Fulco

Dois

Incomuns, isolados
Dois estranhos vagando em extremidades
Desconhecidos passos se cruzam
Sonetos são formados, lírica!
Eis que a íris se ilumina
Arranjos e melancolias, eis o amor.

Tropeçados sons, sonetos, etos
Que latejam ao mencionar seu nome
Aflora o ímpeto desejo
O lampejo dos dourados sinos que soam
A intacta ousadia dos poetas que amam.

A vigor do Beija-flor
Em sua busca exacerbada
Voando em solidão
Vagando pela pétala almejada
Faz-me lembrar do poeta
Em busca de sua amada.

Abram as passarelas
Deixem o caminho vago
Pois o mais belo há de preencher
Aquele apertado espaço
Entre alma e sino: o coração
Trazendo o pulsar de viva
Água pura em sujas mãos.


Ayllane Fulco

domingo, 15 de julho de 2012

Sertão

Nordestinos e seus destinos mudos
Sonhos fúnebres impostos pela seca
Debaixo de seu chapéu de palha
Um santo, uma esperança.

A única pista d’água é no olhar
Ao ver a plantação falecer
Sobre seus pés descalços
Com suas mãos de calos

A mulher reza com sua tamanha fé desapontada
Apertando terço o com tanta força
Implorando a Deus que chova um pouquinho
Sobre o seco e esquecido sertão.

Sopra vento quente e ingrato
Devora toda a plantação
Leva consigo a esperança de um povo sofrido
As suas súplicas e lamentações.

Mas deixai a humildade dessa gente
Que em meio a tanta desgraça
Ainda escancara os dentes
Rindo de sua frustração.

Ayllane Fulco

domingo, 8 de julho de 2012

Olhos D'água

Olhos esvaziados
Olhos d’água
Sempre perdido em sua distração
Retorcido em sua timidez
Âmago fadigado
Efêmero desejo
E depois, mais nada.
 
Olhos indiferentes
Dissimulam o emanar de luz
Cabisbaixo, em sombras
Desviando atenção
Luxo de antíteses passageiras
Paráfrases de ironia.
 
Piscando o cisco antigo
É feito parasita
Faz banhar lágrimas compulsivas
Traz sempre à memória o dia que se alojou
Diacho! Que não cessa!
 
Ai se tu soubesses do lago
É sempre escuro e vazio
Colocando os olhos, sem reflexo
É sempre perturbador
Tentativa vã, frustração.

Ayllane Fulco

terça-feira, 3 de julho de 2012

Olhares negros

Olhares que se perdem
Que se cruzam sem pretensão
Emanam frases não ditas
Sentimentos suspensos em varal
Secando ao ar livre.

Olhares negros
Mansos e tímidos
Calados, regados pelo silêncio
E por memórias.

Mas agora não importa
Esses mesmos olhos dissimulam
Restam apenas vagos sentimentos
Regados pela piedade.

Não me fira com esses olhos
Por que sei que não posso guiá-los
Não os pouse sobre os meus
Mantenham-os vazios e distantes.

Ayllane Fulco

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Filha do remorso

Por que recusas o leite com tanto desdém?
Fora o mesmo que te saciou nos prantos
Os olhos que hoje te cobiçam
São os mesmos que te afroitas.

Sabes tu que és meu remorso
Foi tu o motivo do meu definhar
E agora sou eu pra ti uma pedra
Jogada, escancarada no meio do caminho.

Mas filha, ai de compreender
Que as noites de relâmpago sozinha
O frio amortiçado
E o saciar da fome negado
Eu já te perdoei sem teres me pedido perdão.

Lança-me ao mesmo tempo em que me acusas
Perfura minha carne com um punhal
Que me atravessa o peito sem arrependimento
Mas não é pior que tua rejeição
A minha insignificância (e esquecimento) perante a ti.

Ayllane Fulco